Abril – Mês de Comemoração dos Povos Indígenas no Brasil para quem?

    O Brasil, ao contrário do que muitos historiadores trazem, não foi descoberto em 22 de Abril de 1500. Antes da colonização pelos portugueses, aqui nesta terra já viviam os povos Baré, Potiguara, Tupinikim, Bororo, Fulni-ô, Baniwa, Tikuna, Guarani, Pankararu, Pankará, entre outros, com todas suas diversidades culturais e universos diferentes. Foram chamados de índios pelos europeus porque achava-se que esta era a terra procurada do continente asiático chamado de Índia. Nome não usado pelos que aqui são originários, que preferem a palavra indígena, por designar aquele que é natural da região em que habita, ou preferem ser chamados pelo nome do povo ao qual pertencem.

    Dentro do processo de colonização as culturas desses povos foram desprezadas e os povos foram caracterizados com uma visão etnocêntrica oriunda do imaginário de um indígena descrito de forma pejorativa, desprezando sua história e características diversas. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existem no Brasil 305 povos indígenas, falantes de 254 línguas indígenas. Com uma população de 896.917 entrevistados que se declararam indígenas, conforme o Censo de 2010, além das populações não contabilizadas descritas como isoladas. São habitantes de todo o território nacional, vivendo em terras já demarcadas ou não.

       Mesmo com a demarcação dessas terras, ainda são alvo de invasões por grandes pecuaristas, madeireiros e garimpeiros. E para garantir o direito a seu território, conforme previsto na lei fundamental e suprema do Brasil, é preciso muita luta e persistência. Para que se cumpra os direitos garantidos pela Constituição Federal de 88, as lideranças indígenas começaram a se organizar para que pudessem adquirir as competências necessárias para defender os seus direitos. Assim, surgiram convênios com universidades com o objetivo de capacitar estas lideranças para assumir cargos antes ocupados por não indígenas. A Universidade de Brasília, em parceria com a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, foi uma das primeiras universidades a firmar esse acordo em 2004. Hoje, a UnB conta com um vestibular especifico indígena, como forma de ingresso, para permitir que estas lideranças realizem o vestibular próximo a suas aldeias ou comunidades indígenas e possam se especializar e assumir a gestão do território.

     Estes estudantes hoje ocupam este espaço dentro da UnB e todos os anos realizam a Semana dos Acadêmicos Indígenas trazendo à comunidade universitária o debate para desconstruir este processo perverso de um esteriótipo de um índio forjado nos livros de história. Este ano não será possível realizá-la, mas em cada espaço desta universidade já existe uma presença de um povo indígena. Talvez você passe por eles e não o identifique, pois a miscigenação cultural é grande, mas já fazem parte desta casa.

Hoje, com a pandemia do coronavírus muitos estudantes indígenas não puderam retornar para suas comunidades pois o risco do vírus poderia dizimar comunidades inteiras como aconteceu na época do dito descobrimento. Pois são populações que muitas vezes são negligenciadas pelas politicas públicas brasileira e não tem Unidades Básicas de Saúde, saneamento, escolas entre outros direitos que deveriam ser garantidos. Eles ficaram em Brasília e poucos voltaram para suas comunidades cumprindo antes um distanciamento social.

      Então gostaria de lançar a questão: dia do índio pra quem? Pois é um povo que está sendo devorado por um sistema capitalista, lembrados como fantasia de um imaginário etnocêntrico. Pessoas que estão sendo expropriadas dos seus direitos constitucionais expressos num capítulo específico da Constituição de 1988 (título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”), além de outros dispositivos dispersos ao longo de seu texto, mas são descaradamente desrespeitados.

        É preciso que reflitamos sobre a importância desse dia, e que possamos desconstruir em nossos grupos o imaginário construído ao longo do tempo e ver o mês de abril, dia 19, não como o dia de pintar a cara, colocar um cocar e fazer “uuuu”. Mas de entender o processo histórico de perdas e resgate de oportunidade que a sociedade brasileira deve ao povo indígena.

     A data de 19 de abril foi proposta em 1940, pelas lideranças indígenas do continente que participaram do Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, nesse mesmo período. Nesse congresso foram discutidos os direitos indígenas em um momento de reivindicações e luta dos povos indígenas. Assim é o mês de Abril, dia 19, mês de reivindicação e de mostrar ao povo brasileiro quem são os povos originários deste país.

      Embora, não possamos celebrar o mês indígena com as nossas atividades costumeiras, lançamos para a sociedade a reflexão sobre as condições de vida dos indígenas diante da pandemia do COVID-19 e da ausência do estado nos cuidados dessas populações. Porém, na UnB, em gestão compartilhada com a Associação dos Acadêmicos indígenas da UnB e articulado com as diversas diretorias do Decanato de Assuntos Comunitários, temos desenvolvido estratégias de fortalecimento a nossa população indígena da graduação e da pós-graduação, para enfrentar os desafios econômicos e psicopedagógicos, para garantir a segurança e a integridade física e mental dos que aqui permaneceram, de modo que num futuro próximo possam ser novamente acolhidos por suas comunidades.

      Gostaria de deixar mais uma reflexão da Maninha Xucuru-cariri: "Eles arrancaram nossas folhas, quebraram nossos galhos, derrubaram nossos troncos. Mas esqueceram do fundamental: arrancar nossas raízes!” (Maninha Xucuru-cariri)

       Cláudia Regina Nunes Renault

       Coordenadora Indígena