Na Maloca, roda de discussão reforçou necessidade da representatividade política para a superação de obstáculos.
Lucas Cerqueira Lopes SECOM/UnB
Na tarde de terça-feira (26), estudantes, pesquisadores e servidores da Universidade de Brasília se juntaram no Centro de Convivência Multicultural dos Povos Indígenas da UnB, a Maloca. Com o apoio da Coordenação da Questão Indígena (Coquei) da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), o evento, parte da Semana Universitária 2023, promoveu uma roda de diálogo sobre as vivências dos participantes como membros da comunidade LGBTQIA+, com enfoque na perspectiva indígena.
O encontro foi marcado por demonstrações de afeto, reciprocidade e acolhimento. Alane Beatriz, estudante de Relações Internacionais, Fêtxawewe Tapuya, estudante de Ciências Sociais, e Larissa Pankararu, estudante de Engenharia Ambiental, conduziram a discussão. Durante a exposição dos relatos sobre o processo de descoberta individual da sexualidade, os estudantes evidenciaram a rejeição que sofreram de seus familiares próximos.
Fêtxwawewe, que vem se tornando proeminente liderança LGBT indígena, reforçou que a violência colonial reverberou na forma como os povos originários lidavam com diferentes categorias de gênero, pois esta foi submetida à condenação moral dos colonizadores. “Com a colonização vieram várias mazelas, como a LGBTfobia, o machismo e o patriarcado”. O líder Tapuya relembrou que a primeira vítima de homofobia documentada na história do Brasil foi um indígena, o Tibira.
Tibira, da etnia Tupinambá, foi assassinado no início do século XVII por jesuítas, por sua não-adequação ao padrão comportamental exigido pelos europeus. A sua simbologia tem sido retomada como figura que invoca força e ancestralidade, além de denunciar um crime que persiste até os dias de hoje.
Para Fêtxwawewe, o fato histórico mostra a necessidade da articulação de um movimento LGBT voltado às demandas das comunidades indígenas no que concerne à demarcação de terra, à saúde e à educação. “A história do movimento LGBT no Brasil nunca inclui o movimento indígena. Não se tem dados sobre indígenas incluídos em alguma pauta. Por isso, agora, estamos engatinhando. A primeira marcha LGBT aberta por um indígena foi aqui no Brasil. Foi histórico”, ressaltou.
Maria Célia Selem, coordenadora LGBT da SDH, participou como uma das mediadoras da roda. Ela tem se dedicado às temáticas de gênero e políticas sociais ao longo de sua trajetória acadêmica. “Essa herança do patriarcado heteronormativo trouxe essa ideia de que a sexualidade define uma pessoa na sua totalidade.” Ressaltou, ainda, o papel da Universidade no âmbito do acolhimento de estudantes que foram vítimas de LGBTfobia. Segundo a coordenadora, o atendimento promovido pela UnB desempenha papel crucial no combate à discriminação, uma vez que a atuação da Universidade fomenta a conscientização dos servidores, professores e estudantes, fortalecendo vínculos de respeito à diversidade.
O encerramento do evento apontou para o futuro. Em meio às falas em torno da importância dos movimentos sociais e do papel da Universidade no que tange ao acolhimento dos estudantes LGBTQIA+ (indígenas e não-indígenas), a estudante Larissa Pankararu salientou a importância da representatividade na política como instrumento de mudanças.
No final do ano de 2022, Larissa foi convidada para integrar o Ministério dos Povos Indígenas como coordenadora de Políticas para Indígenas LGBTQIA+. O enfoque de sua atuação é discutir as políticas públicas. “O movimento LGBT, que sofre com a repressão, vê seus direitos não só sendo negados, mas muitas vezes invalidados, como vemos na Câmara dos Deputados.” Para a ativista, trata-se de um desafio reverter essa situação, visto que o trabalho no ministério exige tanto a articulação de pautas atuais urgentes quanto a supervisão do cumprimento de leis já vigentes.