Créditos: Secom - Bianca Mingote* 22/11/2021
Em celebração ao Dia da Consciência Negra, cuja data de reflexão no Brasil é 20 de novembro, a Universidade de Brasília promove ações para debater e dar visibilidade a temas relacionados à cultura e à resistência negra. Na quinta edição do Novembro Negro, as atividades abordam consciência, racismo estrutural, participação política, representatividade, além de apontar políticas de enfrentamento ao preconceito e as dificuldades na implementação.
Realizada ao longo do mês, a programação segue até o dia 30. As ações são organizadas pela Coordenação Negra da Diretoria da Diversidade (Coquen/DIV), ligada ao Decanato de Assuntos Comunitários (DAC), em parceria com outras unidades. Pelo segundo ano consecutivo, as atividades ocorrem on-line, com mesas, workshops e bate-papos. Os links para algumas transmissões estão sendo divulgados no Instagram da DIV (@diretoriadadiversidadeunb).
>> Confira a programação completa do Novembro Negro na UnB
Cerca de 40 pessoas fizeram parte da concepção do Novembro Negro na UnB. Houve contribuições da Diretoria de Esporte e Atividades Comunitárias (Deac), do Decanato de Extensão (DEX), do Centro de Convivência Negra (CCN), do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e da Biblioteca Central (BCE). Os eventos também contaram com apoio do coletivo Juntos! Juntas!, em conjunto com os discentes que integram o projeto Formação e Informação em Diversidade e Direitos Humanos, o Ministério dos Direitos Humanos (MDH), além de pessoas envolvidas em pautas raciais.
“Essa agenda tem um protagonismo de estudantes que participaram de edital da DIV [Formação e Informação em Direitos Humanos e Diversidade], de discentes que trouxeram suas propostas voluntariamente e das unidades. A ideia é construir um Novembro Negro da Universidade de Brasília como resposta aos ataques à população negra, o que a gente vem sentindo muito fortemente agora, durante a pandemia”, conta a diretora da DIV, Susana Xavier.
A programação foi estruturada para fomentar debates a partir das temáticas de direitos humanos e de diversidade étnico-raciais, de sexualidades, de gêneros e de classes sociais.
Susana Xavier ressalta a importância de aproveitar a visibilidade proporcionada pelo mês de novembro para promover reflexões e buscar soluções para problemas emergentes relacionados ao racismo e à desigualdade social.
“O racismo é estrutural e estruturante da sociedade. O único jeito de curarmos uma doença é admitir que nós temos essa doença, para então buscar a cura. É importante aproveitarmos o mês de novembro, que acende o debate em todas as instituições de educação, empresas e poder público, para que a gente dê visibilidade para as questões de violência, as injúrias e as práticas de racismo que são constantes. Também, para que possamos falar de legislação, de punição, de controle e da importância de conseguirmos construir, coletivamente, uma sociedade mais justa e mais solidária”, analisa.
As atividades propostas também foram alinhadas à Política de Direitos Humanos da UnB, com o objetivo de proporcionar um ambiente acolhedor, saudável e propício aos relacionamentos pautados na não violência.
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A UnBTV elaborou uma mostra de filmes com 12 curtas-metragens que abordam as temáticas de racismo estrutural no Brasil, a solidão da mulher negra, a cultura afro-brasileira, além de narrativas que evidenciam o cotidiano de estudantes negros da Universidade de São Paulo (USP) e as experiências de jovens negros moradores da periferia.
Durante o Novembro Negro, a UnB irá sediar o V Congresso de Pesquisadores(as) Negros(as) da Região Centro-Oeste (Copeneco), entre os dias 23 a 26 de novembro, de forma totalmente virtual. O evento tem como tema central Democracia sem pautas antirracistas ou antipatriarcalistas é hipocrisia. Para acompanhar, é necessário se inscrever pelo site oficial do evento. O link da transmissão também será disponibilizado na página do Copeneco.
PARTICIPE – Esta semana, a DIV promove uma série de rodas de conversa sobre Saúde mental de estudantes negras e negros nos cursos de Tecnologia da Informação. Os próximos eventos ocorrem nesta quarta (24) e sexta-feira (26), das 17h às 19h, pela plataforma Microsoft Teams. Os links da transmissão serão compartilhados no Instagram da DIV.
Fortalecendo a perspectiva de fazer da UnB uma universidade promotora da saúde, a Coordenação de Articulação de Redes para Prevenção e Promoção da Saúde (CoRedes), ligada à Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu/DAC), também promove, na quinta-feira (25), às 18h, uma roda de conversa sobre Saúde Mental da População Negra. O evento será transmitido pelo canal da Dasu no YouTube.
A assistente social Flávia Squinca, que ajudou na elaboração das atividades promovidas pela Dasu, explica o papel da Universidade no debate do assunto não apenas no Mês da Consciência Negra, mas ao longo de todo o ano.
“A UnB, enquanto se propõe a ser uma universidade promotora da saúde, faz parte de todo o processo de discussão das demandas que a população negra da UnB e que a comunidade externa trazem, assim como de todas as temáticas que vão contra qualquer forma de opressão, discriminação e racismo. E também de se tornar uma instituição que, de fato, se efetiva na defesa e na visibilidade aos direitos humanos.”
Na segunda-feira (29) , às 17h, também no canal da Dasu no YouTube, a Oficina bate-papo: comunidade e beleza negra irá instigar um debate leve e próximo com o público sobre o tema. Os participantes terão a oportunidade de compartilhar experiências pessoais, via chat. A ação tem parceria com o programa Jovem de Expressão – iniciativa em Ceilândia (DF) que promove acesso à cultura e à educação a jovens periféricos. A mediação será feita pelas estudantes da UnB Luiza Leal, da Enfermagem, e Layanne Carvalho, de Farmácia, integrante da Liga Acadêmica de Saúde da Família e Comunidade (LasFac).
Promovida pela DIV, a mesa-redonda A criação artística descentralizada: o fazer negro e o afeto nas artes visuais, na terça (23) e quinta-feira (25), vai apresentar aos participantes autoras negras que trabalham com literatura. “As discussões não pretendem questionar o apagamento de escritoras negras, mas motivar os participantes a conhecer suas obras e debater a importância da representatividade negra no campo literário”, destaca Susana Xavier.
Para aplicar o estudo de textos afro-literários à discussão da relação entre classe social, gênero e raça, o Workshop: Literatura Feminina Negra trará especialistas para uma roda de conversa interativa e participativa, com foco em questões feministas, educação, violência e silenciamento. A atividade será realizada nesta terça-feira (23), às 16h.
Ainda nesta quinta (25), às 17h, o projeto Sensibilização por uma Educação Antirracista visa fomentar discussões com temas antirracistas para o fortalecimento das populações negra e indígena. Está alinhado com a proposta do projeto Afro vai à Escola, que promove atividades práticas em escolas públicas pautadas na difusão de ações afirmativas como estratégia eficaz na construção de uma sociedade mais igualitária. A iniciativa é desenvolvida no Programa Afroatitude – vinculado ao DAC e gerido pela DIV. A ação será transmitida no canal da UnBTV no Youtube.
LONGEVIDADE E RESISTÊNCIA – Como parte das ações do Novembro Negro na UnB, membros da comunidade acadêmica e externa à instituição plantaram três baobás em frente à Faculdade Educação (FE), no dia 15 de novembro. O baobá é uma árvore milenar nativa da África trazida ao Brasil pelos navios negreiros, sendo símbolo de resistência e força para o povo negro. Na África, a árvore planta, além de congregar os mais velhos no ensinamento aos mais novos, servia de alimento e medicação.
O mutirão para o plantio foi organizado pela diretoria da FE, junto com a Prefeitura da UnB (PRC) e a Secretaria de Meio Ambiente (Sema), que fez um estudo da área para autorizar a ação. Para Catarina Santos, professora da unidade acadêmica e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), o ato “tem uma simbologia de resistência da Universidade, que foi construída por mãos negras”.
“Temos o objetivo da planta ser proteção e longevidade para a UnB, em um momento em que ela está ameaçada. O baobá vem para dizer que vamos resistir e estamos lutando por essa Universidade e queremos que a UnB seja igualmente milenar”, afirma a docente.
Em entrevista à Secretaria de Comunicação (Secom) da UnB, Catarina Santos fala sobre consciência negra, a urgência de ações de combate ao racismo estrutural e o atual cenário de debates relacionados à questão racial no país.
1) Qual a importância de celebrar o Dia da Consciência Negra?
O Dia da Consciência Negra é marcado no dia da morte de Zumbi dos Palmares, esse líder da resistência negra. Tem uma frase dele que traduz muito o que significa esse dia: “Nascer negro é consequência, ser negro é consciência”. Hoje, avançamos para mais do que o dia e comemoramos o Novembro Negro, para que possamos exaltar a nossa cultura, a nossa inserção na sociedade brasileira, a importância que nós temos, e resgatar toda essa ancestralidade. Inclusive, trabalhar com os mais novos e aprender com os mais velhos toda essa importância. O mês e o dia marcam também um movimento de resistência nessa sociedade que ignora, que discrimina e que violenta o povo negro. São um dia e um mês para debater essas questões com aqueles que nos violentam, refletir com a sociedade brasileira, com os brancos, o que eles fazem com os não brancos. Essa data é muito importante para resgatar toda a nossa história e a nossa memória.
2) Como se configura, hoje, o debate sobre a questão racial no Brasil?
Os dados da realidade, de dizimação da juventude negra, de morte do povo negro, de fome a que o povo negro é submetido – inclusive, neste ano pandêmico, quem é que morreu mais por conta da pandemia? –, tudo isso mostra a lógica do que é o racismo na sociedade brasileira neste momento. Se a gente olhar para os lugares de destaque ocupados na sociedade brasileira, mesmo os negros tendo alto grau de escolaridade, quem ganha menos? Quem ocupa os cargos mais importantes? Quem está sub-representado em todos os espaços? Quando olhamos para o Congresso, para as casas legislativas brasileiras, e quando os negros estão [nesses espaços], o quanto eles sofrem na nossa sociedade? Todos esses dados servem para a gente olhar como se configura esse debate, a desigualdade que está posta na sociedade brasileira em relação à questão racial.
O Mês da Consciência Negra e o Dia da Consciência Negra são, na verdade, mais um mês e mais um dia de luta contra essa barbárie que está posta na sociedade brasileira, que é a discriminação racial, os crimes raciais, a morte dos corpos. Precisamos entender que o racismo mata sonhos, mata os corpos, mata a possibilidade de termos uma sociedade equitativa, diversa, sem violência, tudo isso vem do racismo. O racismo é sinônimo de morte, de violência. O povo negro no Brasil luta todos os dias para existir, para não morrer, para continuar vivo, para comer, para morar, para continuar respirando. Essas são as características dos últimos anos.
3) Qual a importância de consolidar políticas para enfrentar o racismo estrutural na sociedade e na Universidade?
Se é um racismo estrutural, só é possível desconstruí-lo se tivermos políticas públicas que possam reverter e atuar nas desigualdades que ele provoca e também no próprio racismo. Só é possível reverter esse racismo estrutural com ações de Estado. O Estado brasileiro é racista e precisamos desnaturalizar o racismo e combater todas as formas de violência que o racismo traz, as quais têm dizimado a população brasileira ou colocado em condições de extrema desigualdade. Fundamentalmente, para que essas políticas se efetivem, precisamos que a população brasileira esteja representada em todos os espaços na estrutura do Estado que definem a vida desse país, seja na política, na gestão, nos cargos executivos.
Sem políticas, não só de combate, mas de inserção das pessoas não brancas em todos os espaços, nós não vamos efetivamente combater o racismo porque ele está na estrutura do Estado, ele está na estrutura da sociedade brasileira. É preciso desmontar essa estrutura racista. Dentro das políticas públicas, a gente tem que fazer todo um trabalho educativo, ações antirracistas, desconstruir os preconceitos raciais, os crimes, as violências raciais, por meio das pessoas não negras ou por meio das pessoas brancas. Isso precisa estar nos espaços educativos, não só na escola, mas em todos os espaços.
*estagiária de Jornalismo da Secom/UnB.